04 Julho 2023
“Aprecio as numerosíssimas expressões de solidariedade de grupos e pessoas da sociedade civil e do mundo político, que corajosamente se alinharam ao meu lado. Sentir tanto apreço, proximidade e encorajamento é uma experiência avassaladora que me enche de humildade e me faz bem em nível humano, pois a decisão do dicastério romano também me surpreendeu e preocupou.”
Publicamos aqui o comunicado do Prof. Martin M. Lintner, OSM sobre a rejeição do “Nihil obstat” pelas autoridades eclesiásticas vaticanas à sua nomeação como reitor da Faculdade Teológica Acadêmica de Bressanone.
O comunicado foi publicado na página do Facebook da Diocese de Bolzano-Bressanone, 03-07-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A decisão das autoridades vaticanas de não aprovar a minha eleição como reitor da Faculdade Teológica Acadêmica de Bressanone desencadeou enormes reações no Alto Adige, em toda a área de língua alemã e, enquanto isso, também na Itália e muito além. Todos os dias eu recebo uma enorme várias mensagens e expressões de solidariedade tanto de países europeus quanto de outras regiões do mundo. Como não me é possível responder pessoalmente a todos, gostaria de tomar a palavra desta forma.
Gostaria de agradecer às jornalistas e aos jornalistas que solicitaram entrevistas, mas também respeitaram a minha decisão de não querer fazer comentários “à queima-roupa” sobre o meu caso nos dias imediatamente posteriores. Era meu desejo primeiro compreender o contexto geral, o pano de fundo e o escopo do que está acontecendo. Mais tarde fornecerei uma primeira avaliação do meu ponto de vista.
Agradeço de coração às sociedades teológicas, às teólogas e aos teólogos que se posicionaram publicamente. No fim deste documento, relato uma seleção de comunicados provenientes de âmbitos teológicos. O apoio e o apreço das colegas, dos colegas e das comunidades acadêmicas são um grande apoio para mim nestes dias turbulentos. Também aprecio as numerosíssimas expressões de solidariedade de grupos e pessoas da sociedade civil e do mundo político, que corajosamente se alinharam ao meu lado. Sentir tanto apreço, proximidade e encorajamento é uma experiência avassaladora que me enche de humildade e me faz bem em nível humano, pois a decisão do dicastério romano também me surpreendeu e preocupou.
O encorajamento proveniente dos ambientes mais diversos me confirma nos meus esforços como teólogo de construir pontes entre a Igreja e a sociedade, e de buscar uma teologia relevante para a vida, sensível ao sofrimento, significativa para as pessoas em suas situações concretas e desafios existenciais. A decisão do Vaticano a meu respeito não só suscitou incompreensão, mas também uma forte irritação em muitos fiéis. Ela levanta dúvidas sobre o bom êxito da sinodalidade. Também me dói constatar como, em diversas pessoas, isso reforçou uma atitude crítica ou negativa em relação à Igreja. Quem me conhece sabe muito bem como é sólido o meu sentimento de pertença à Igreja e a minha lealdade construtivamente crítica em relação à autoridade magisterial.
Agora, gostaria de voltar a minha atenção para a Faculdade Teológica Acadêmica de Bressanone. Gostaria de agradecer ao Conselho da faculdade pela confiança que expressou em relação a mim ao me eleger reitor, e ao bispo, Dr. Ivo Muser, que aprovou a minha nomeação. A resposta negativa das autoridades vaticanas é um desafio não só para mim, mas também para o bispo Muser e para a Faculdade Teológica.
Desejo agradecer com sinceridade ao colégio das professoras e dos professores, as/os representantes dos estudantes, as/os participantes dos cursos teológicos de Bressanone e do curso de estudos universitários em Ética Aplicada pela sua solidariedade.
O atual reitor, Prof. Alexander Notdurfter, tem sido submetido nos últimos dias a uma forte tensão emocional. Agora, deve continuar à frente da Faculdade Teológica Acadêmica de Bressanone para além do termo de seu mandato, apesar de seu compreensível desejo de passar o bastão e se dedicar novamente ao ensino e à pesquisa.
Dirijo um agradecimento particular a Dom Ivo Muser, preocupado com o meu estado de espírito e com o meu futuro como teólogo moral. Estou em constante contato com ele. Esta declaração também foi acordada com ele. Ele acolheu o meu pedido explícito de não apresentar um recurso contra a decisão do Vaticano. De fato, o meu desejo é não expor nem a minha instituição acadêmica nem a mim mesmo a um procedimento potencialmente longo e estressante.
As reações às vezes fortes e emotivas das associações teológicas são uma expressão da justificada preocupação com a credibilidade da teologia como ciência no contexto das universidades e de uma sociedade laica. Elas também expressam a raiva e a impotência de muitíssimas e muitíssimos colegas que se depararam com problemas e obstáculos semelhantes ao longo de sua atividade acadêmica. Tais problemas permaneceram em segredo durante décadas e envolveram uma profunda prostração para as pessoas afetadas, junto com feridas interiores e com a sensação de humilhação, a ponto de prejudicar de modo irreversível suas carreiras profissionais.
O senso pessoal de pertença à Igreja também pode ser afetado por isso. Muitos preferem permanecer em silêncio por medo de perder sua reputação como teólogas e teólogos, e serem suspeitos de falta de fidelidade à Igreja. Quando fui presidente da Sociedade Europeia de Teologia Católica e da Rede Internacional das Sociedades de Teologia Católica, conheci muitos desses destinos.
Isso me fez entender que não se trata apenas de casos individuais, mas também de um problema institucional. Em conversas formais e informais com funcionários e colaboradores da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para a Educação Católica, fiz-me porta-voz destas colegas e destes colegas, e levantei a problemática. Ao fazer isso, tive a impressão de que as congregações – hoje dicastérios – estavam cientes do problema e reconheciam a necessidade de rever o procedimento e examinar as reivindicações de forma transparente e justa.
Desejo e espero que o meu caso contribua para construir uma relação construtiva de confiança e de diálogo entre o Magistério e a teologia acadêmica, entre os dicastérios e as associações teológicas, as faculdades e os centros teológicos. Estou convencido de que essa atitude está alinhada com o espírito de sinodalidade ao qual o Papa Francisco quer orientar a Igreja.
Pe. Martin M. Lintner
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“A decisão do Vaticano me surpreendeu e preocupou.” Comunicado de Martin Lintner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU